Direitos para os animais, uma questão Ética e de Justiça

A história dos Direitos Humanos remonta a uma longa luta por inclusão. Por muito tempo, mulheres, pretos, pobres, entre outros, apesar de  pertencentes à espécie “homo sapiens”, foram relegados ao universo da bestialidade. Falamos da história, da dialética da exclusão e inclusão,  travestida da diferença.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em cujo texto se lê: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em  dignidade e direitos”, é na vida real um texto ainda em construção. A obviedade de que há tanto a se fazer pelos direitos humanos não se opõe à defesa  pela causa dos animais, ao contrário, alarga o conceito de humanidade, de sua dignidade e acrescenta valor ético ao Direito. Chegou o tempo propício para reconhecer Direitos a outros animais.

Sendo semelhantes a nós diante da doença, da dor, da alegria, da afeição, da rejeição, e portadores  da mesma vontade de bem-viver, procriar e proteger sua descendência e com base no princípio ético da “Igual Consideração de Interesses  Semelhantes”, impõe-se racionalmente reconhecer Direitos a seres sencientes, ou seja, àqueles animais aos quais a Ciência já reconhece capacidades  de experimentar prazer e dor como nós. Onde há senciência há consciência, pois dela deriva a capacidade de escolher o prazer e evitar o sofrimento.

Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento  semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir  alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração (SINGER, 2002, p. 67-68).

Reconhecer “Direitos” aos animais é quebrar um paradigma que o “orgulho humano” reluta em admitir. Especismo, preconceito com outras espécies diferentes da humana. Não é antropomorfizar o  animal, mas reconhecer o humano como também animal.

“Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento  semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser.”

A tradição ética, de Aristóteles a Kant, considera a racionalidade, ou seja, a capacidade de  pensar, de usar a linguagem e de ter autonomia como os critérios determinantes para um sujeito ser membro da comunidade moral e beneficiar-se na  distribuição da justiça, apesar de não negarmos direitos a um bebê de dois meses, que não é racional e nem tem autonomia. Poderíamos alegar que o  bebê possui “Direitos em potencial”, mas tal alegação cairia por terra sob a alegação de “Direitos em potencial” para pessoas com problemas  neurológicos graves que jamais conseguirão em suas vidas atingir a racionalidade, autonomia e a fala, tão almejados para o pertencimento em uma comunidade moral. Mas nenhum de nós negaria direitos a tais humanos.

Por que negaríamos tais direitos a um chimpanzé, cujas semelhanças  biológicas conosco são comprovadas; que possuem mais autonomia que um bebê e um humano com grave comprometimento neurológico? Ou porque  negaríamos a um cão direito a uma vida digna, quando podemos claramente perceber o seu sofrimento diante da dor, a sua gratidão diante do  afeto? Quem já não presenciou a luta de um gato por sua vida, ou assistiu à paixão de uma leoa para proteger seu filhote? Se entendemos o seu  agir, se nos identificamos com suas ações, por que negamos proteção jurídica aos interesses desses seres?

Mas as coisas estão felizmente mudando.  Surge na contemporaneidade, em âmbito internacional e nacional, o Direito Animal como objeto de regramento e especulação jurídica e ética,  rompendo com o dogma que só o homem pode ser “sujeito de direitos”. O Direito Animal surge como um novo ramo do Direito separado do Direito  Ambiental, muito embora compartilhem regras e princípios. No nosso ordenamento deriva do princípio constitucional da proibição da crueldade  contra um animal, insculpida na parte final do inciso VII do §1º do artigo 225 da CR/1988.

Só se pode ser cruel com um SER SENCIENTE, portanto  um indivíduo, dotado de valor intrínseco, sujeito do direito fundamental a uma existência digna, posto a salvo de práticas cruéis.

A luta por “Direitos  dos Animais” é mais um capítulo da longa história do reconhecimento de “Direitos”, e é a mais extraordinária, pois revela a capacidade humana de  ver, com um olhar altero, o sofrimento e a alegria do OUTRO, do diferente de sua imagem refletida no espelho, mas ao mesmo tempo tão igual. E  responder à súplica ancestral que vem do silêncio dos inocentes animais. Existem muitas maneiras de falar e esse é o tempo de ouvir e responder aos  animais, nossos companheiros nessa aventura terrestre! Temos uma dívida histórica com eles. A hora e a vez dos animais!

Maria Cristina Brugnara Veloso / Membro do Conselho Deliberativo da Promutuca / www.promutuca. com.br • adm.promutuca@gmail.com

Share this post

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *