A expansão de condomínios horizontais esteve diretamente relacionada às condições históricas que acarretaram a deterioração da qualidade de vida e o consequente abandono do centro urbano de Belo Horizonte, nas décadas de 1960 e 1970.
Condomínios horizontais surgiram nos arredores de Belo Horizonte com o Retiro das Pedras (1957), o Morro do Chapéu e o Estância Serrana (ambos em 1958), todos na Região Sul da cidade. O Estância Serrana teve a peculiaridade de ser organizado pela Mannesmann, que ali situou as famílias dos altos funcionários alemães que vinham trabalhar em Belo Horizonte, numa comunidade bastante fechada, logo apelidada de “Morro do Chucrute”.
Nesse cenário exuberante de clima ameno, regado por nascentes e córregos de límpidas águas, composto por matas de galeria, mata atlântica, campos de cerrado e rupestres, habitado por diversificada fauna silvestre, nasceram outros condomínios cujos moradores nas décadas de 1960 e 1970 buscavam uma vida harmoniosa junto à natureza. Para jovens profissionais liberais, artistas, professores universitários ou funcionários qualificados de órgãos públicos, essa opção atendia às expectativas tanto de bem-estar quanto financeiras. A possibilidade de financiamento pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) facilitava o “sonho da casa no campo”.
Nasce o Promutuca
Conscientes da relevância de se preservar todo esse patrimônio natural, os moradores Carlos Frederico, Francisco de Assis Barros, Júlio Grillo e Douglas Brian Trent (ecólogo americano que fizera levantamento da avifauna do Vale e catalogara mais de cem espécies) começaram a atuar na proteção ambiental do Vale. Outros síndicos do Vale do Mutuca foram convidados, formando um grupo de representantes de todos os condomínios da região, que viriam a se tornar membros efetivos do Conselho Deliberativo da futura associação para a proteção ambiental.
Em 1990, o sossego do Vale foi afetado pela mineradora MBR, que havia instalado sobre o Vale do Mutuca um teleférico para transportar minério até o bairro Olhos D`água, onde havia uma pequena estação ferroviária. O transporte gerava nível elevado de ruído para a bucólica comunidade. De forma a apresentar denúncia contra a MBR na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMAD), aqueles moradores acima citados, em 6 de dezembro de 1990, constituíram juridicamente a PROMUTUCA – Associação para a Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (nome sugerido por Carlos Frederico). Sendo vencida na ação, a MBR desfez o teleférico e construiu uma esteira rolante mais silenciosa. Era, à época, o primeiro presidente da PROMUTUCA, Francisco de Assis Barros.
Relevância na proteção ambiental do Vale
O Vale do Mutuca é um patrimônio natural e ecológico de grande relevância, pois abrange uma unidade de Conservação da COPASA e é um Corredor Ecológico de Fauna natural, por ser a única passagem para o trânsito de fauna a interligar os fragmentos florestais e as unidades de conservação das bacias do Rio das Velhas e das Bacias do Rio Paraopeba que foram separadas por interferência humana, no caso a BR-040.
O Corredor Ecológico do Vale do Mutuca é de extrema importância para o equilíbrio ambiental da região, pois permite o livre deslocamento de animais e a dispersão de sementes. E o aumento da cobertura vegetal reduz os efeitos da fragmentação dos ecossistemas e promove a ligação entre diferentes áreas permitindo o fluxo gênico entre as espécies da fauna e flora. Esse trânsito permite a recolonização de áreas degradadas, em um movimento que de uma só vez concilia a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento ambiental na região.
Mas apesar de sua relevância ambiental, o Vale do Mutuca vem sofrendo contínua degradação e ameaças ao seu bioma, principalmente pelo mercado imobiliário, que em seus empreendimentos descumprem as leis ambientais e tentam desvirtuar a vocação ecológica e sustentável da comunidade local. Gigantesco tem sido o esforço da PROMUTUCA, ao longo desses 30 anos, pela preservação ambiental do Vale do Mutuca. Uma luta épica de Davi contra Golias, pois grande é a força do poder econômico envolvido.
Vivenciamos, no presente, essa luta histórica, que se arrasta judicialmente por mais de vinte anos na região preservada de Mata Atlântica, com várias nascentes e muitas espécies de animais, que tem ali sua casa, no denominado empreendimento imobiliário: “Vila Castela II”, que uma vez implementado, irá comprometer, senão inviabilizar, o último Corredor Ecológico da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Trabalho incansável
Para tanto, a PROMUTUCA, se faz representar em Órgãos Colegiados estaduais e municipais, acompanha invasões, licenciamento de empreendimentos imobiliários, novas obras e posteriores intervenções e, quando necessário, postula em foro judicial contra violações à lei ambiental vigente. Realiza projetos de educação ambiental, monitora, resgata e faz a triagem de animais silvestres. Oferece cursos de reciclagem do lixo, de combate a incêndios florestais, formando brigadistas locais; realiza blitz de prevenção a incêndios, campanhas de doação de mudas de espécies florestais nativas para condôminos, campanhas educacionais de alerta para o risco da soltura de fogos de artifício em áreas de proteção ambiental, além de promover campanhas de vacinação antirrábica para cães e gatos, entre outras atividades. Mas principalmente segue na luta pela preservação da integridade ambiental do Vale e da efetivação em termos legais do Corredor Ecológico Vale do Mutuca.
A qualidade de vida de milhares de moradores e a reprodução de muitas espécies, muitas delas em risco de extinção, dependem da preservação do Vale do Mutuca e consequentemente do fortalecimento da PROMUTUCA.
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