Animais silvestres em centros urbanos: gestão de conflitos

Com a invasão, fragmentação e destruição de habitats naturais de muitas espécies, as cidades se transformaram em redutos ecológicos importantes para muitas espécies da fauna nativa, podendo ser consideradas ecossistemas completos para espécies mais generalistas, nos quais a biodiversidade se relaciona entre si e com o meio, com padrões similares aos que ocorrem em natureza.
É necessário ressaltar que a presença dos animais silvestres nas cidades é um evento natural, esperado e gradativo, sendo tecnicamente inviável e desaconselhável a tentativa de exclusão das espécies nativas desses ambientes habitados por humanos. O convívio humano com a fauna silvestre em centros urbanos proporciona vantagens e desvantagens, daí a relevância de se discutir regras e procedimentos gerais para uma convivência mais harmônica nas cidades, minimizando os riscos para todos, homens e animais. Nesse sentido, a presença da natureza nas cidades é necessária por muitas razões, entre as quais: aumenta a saúde e o bem-estar do homem; melhora o comportamento e o funcionamento cognitivo; facilita as redes sociais; estimula a prática de atividades físicas; reduz os níveis de crime, agressão e violência; promove uma educação não formal e aumenta o valor estético do ambiente.

Existem espécies animais que não conseguem adaptar-se plenamente ao ambiente urbano, esses grupos, que incluem grandes predadores, herbívoros que pesam mais de 5 kg e espécies com dietas especializadas, são chamados de “evitadores urbanos”. Por outro lado, há espécies que vivem em cidades em densidades mais altas que as encontradas na natureza e que são chamadas de “exploradoras urbanas”. São exemplos os gambás, os gaviões e os predadores de porte médio. Ainda, entre essas duas categorias, existem as espécies que vivem na mesma densidade, tanto na cidade quanto na natureza. Elas são chamadas de “adaptadoras urbanas” e podem ser exemplificadas pelos pequenos pássaros.

O homem e as espécies domesticadas convivem com a fauna silvestre tanto em ecossistemas rurais como urbanos. Essa convivência é geralmente harmoniosa, mas existem ocasiões nas quais os animais silvestres entram em conflito com os interesses da população humana. Esse fato é cada vez mais frequente à medida que a população humana aumenta e ocupa áreas de distribuição natural de espécies silvestres.

E esse convívio mais próximo pode resultar em problemas para ambas as partes. Os conflitos decorrem principalmente do fato de os animais buscarem abrigo e alimento em residências e de as pessoas que vivem atualmente nas cidades terem menor familiaridade e maior dificuldade em lidar com a fauna nativa. De maneira geral, os conflitos ocorrem próximo às instalações residenciais, onde a sociedade não espera encontrar esses espécimes. A oferta de abrigos e alimentos nesses locais é, via de regra, a principal causa de aproximação. Nesse contexto, verifica-se que, por desconhecimento ou falta de aplicação de princípios gerais, as próprias pessoas reclamantes, muitas vezes, acabam criando ou agravando a situação.

Assim, o ato de alimentar com frequência os animais silvestres por meio de cevas faz com que a barreira invisível que naturalmente evita o contato direto dos humanos com os espécimes silvestres seja reduzida ou interrompida pelo processo adaptativo. Essa situação é muito comum e frequentemente relatada nos casos, por exemplo, em que os primatas urbanos estão envolvidos.
A oferta de alimentos, entre eles ração de cães, gatos, galinhas e outros animais domésticos, nas residências é um poderoso atrativo para animais silvestres. Também é ponto bastante relevante e frequentemente associado aos confrontos com a fauna silvestre nas cidades a oferta de abrigos naturais ou artificiais proporcionados pelas edificações urbanas.

As soluções para os conflitos que envolvem a fauna silvestre e a população humana geralmente são complexas e requerem, quase sempre, medidas diversas e integradas. Na grande maioria das ocorrências, a sociedade, ao acionar uma instituição pública para denunciar um conflito relacionado aos animais silvestres, espera uma solução sem custos financeiros, imediata e com efeitos permanentes, que quase sempre envolve a captura e a remoção dos espécimes causadores dos problemas. Nesse sentido, é importante ressaltar que a retirada de indivíduos de um determinado local, ou seja, apenas uma pequena parcela de uma grande população, não produzirá os efeitos desejados se os fatores ambientais que favoreceram o aparecimento dos indivíduos não forem alterados, pois outros espécimes voltarão e ocuparão o nicho desocupado pela remoção.

A Instrução Normativa do Ibama nº 141/2006, que estabelece as diretrizes para o manejo de fauna silvestre sinantrópica no Brasil, e a literatura especializada recomendam que as ações de intervenção, remoção ou eliminação dos espécimes envolvidos somente devem ocorrer quando já se houverem esgotado as medidas de manejo ambiental básicas, entre as quais se destacam as listadas a seguir:

• Remoção da fonte de alimentos: não alimentar intencionalmente os animais silvestres nem deixar os alimentos dos animais domésticos disponíveis em locais abertos, principalmente durante a noite.
• Remoção dos abrigos: vedar aberturas nos telhados ou outros pontos que favoreçam ocupação e nidificação; manter a vegetação rasteira baixa; reduzir ou eliminar pontos com entulhos ou depósitos de lixos.
• Proteção dos animais domésticos: manter animais como galinhas, patos e pássaros em locais protegidos durante a noite para reduzir a predação por animais silvestres, como raposas, felinos, gaviões, corujas e quatis.
• Respeito ao animal: evitar aproximar-se de ninhos de animais em reprodução, especialmente gaviões e corujas, bem como de filhotes recém-saídos dos ninhos quando os pais ainda estiverem por perto.
• Educação ambiental: sensibilizar, por meio de ações educativas e de esclarecimento, a comunidade envolvida nos conflitos que abrangem a fauna silvestre, a fim de disseminar regras básicas de convívio que resultem em harmonia.

A exclusão de determinadas espécies ou populações dos ambientes urbanos com a finalidade de reduzir ou solucionar conflitos com os animais silvestres, quando adotada como única medida, apresenta elevada chance de insucesso e de desperdício de recursos, sendo completamente ineficaz a médio e longo prazos.

Após a eventual retirada dos animais, os ambientes liberados serão recolonizados pelas populações circunvizinhas, e os conflitos terão novo início, caso as medidas de manejo ambiental e sensibilização das pessoas envolvidas não sejam adotadas.

Nesse contexto, recomenda-se a intervenção direta (captura, remoção, translocação, realocação, entre outras) sobre os animais silvestres apenas quando esta ação constitui etapa de um plano de manejo amplo que contemple a implementação de medidas estruturais, ambientais e educacionais para mitigar ou prevenir novos conflitos.

Esse texto é um resumo da matéria veiculada no blog da Coordenadoria Estadual de Defesa dos Animais do Ministério Público de Minas Gerais. Acesso em 18/11/2022. Por Maria Cristina Brugnara Veloso. Diretora de Educação Ambiental da Promutuca.
Disponível em: https://defesadafauna.blog.br/wp-content/uploads/2018/01/mpmg_informe_animais.pdf

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