De onde a água vem?

O nome do meu pai – Brasilino Kimura – diz muito sobre suas origens. É um legítimo brasileiro, filho de japoneses. Assim como as histórias de todas as famílias de imigrantes, sua vida foi uma verdadeira saga, que eu tive o atrevimento de registrar em um livro que escrevi recentemente.

Dentre tantas histórias que ele me contou, um fato me chamou atenção: em quase todas as casas onde morou em sua juventude, na zona rural e urbana dos estados de Paraná e São Paulo, a água era proveniente de poços. Quando ele descreve suas antigas moradias, o poço é uma das primeiras lembranças que vem à tona. Meu pai deve ter na memória a imagem exata de cada um deles, pois passava umas boas horas do dia na função de bombear a água, quase sempre manualmente. Nos períodos de estiagem, havia poços que secavam. Nessas épocas, costumava-se chamar um poceiro para aprofundá-los mais um pouco, ou então iam buscar água em bicas, trazendo-as em latas. Ele se recorda bem dos lugares onde a água era salobra. Faz até careta só de lembrar. Não havia muito o que fazer, pois a água que vem da terra era a única que tinha para beber.

Seus relatos se assemelham aos de tantos brasileiros que tive a chance de conhecer no interior do país. No litoral do Ceará, um menino me contou que dava quinze braçadas no inverno e vinte no verão para puxar o balde cheio (ou nem tanto) da cisterna. No interior do Pará, um senhor notou que, desde que uma certa indústria tinha se instalado no lugar, a água vinha mais branca. Aqueles que põem a mão na massa, ou melhor, na água, aprendem a conhecer o seu humor.

Ainda hoje, os poços continuam sendo uma importante fonte de abastecimento para as zonas rurais e muitas cidades. Porém, a maior parte das pessoas não sabe mais de onde a água vem. Aliás, algumas até sabem: com certeza, ela nasce da torneira ou da parede.

Não vou chover no molhado para dizer o quanto a água é fundamental para tudo. Nem precisamos saber que ela constitui 70% do nosso corpo, que sustenta toda a biodiversidade no planeta, que regula todo o nosso clima e etc. e tal. Basta ter sentido sede uma vez na vida para aprender: sem ela, não dá. E ponto final.

Mas vou fazer uso de um outro provérbio para ressaltar: o que os olhos não veem, o coração não sente. A água não é infinita, apesar de sua quantidade ser constante. Ela pode mudar de lugar, ou ser contaminada. Dependendo do caso, as mudanças podem ser irreversíveis. E a água limpa e abundante que acreditamos ser nosso direito, que julgamos ter garantida, pode deixar de existir. Quem desdenha a água é porque não conhece sua nascente.

Entender as origens da minha família me faz reconhecer mais quem sou. Seja da terra, do gelo ou do ar, é vital saber de onde vem a vida. E isso também significa saber de onde a água vem.

Gisele Kimura / Membro do conselho deliberativo da Promutuca./ www.promutuca.com.br • adm.promutuca@gmail.com

Share this post

Comments (2)

  • Aloisio Reply

    Parabéns pelo Papaizão imigrante e pelas suas informações acerca da preciosa Água

    4 de setembro de 2024 at 19:15
  • FERNANDO ALVES CARNEIRO Reply

    Deve ser linda a história de vida do seu pai e a sua também, Gisele!!! Texto lindo!!!

    4 de setembro de 2024 at 21:43

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *