Um triste episódio ocorrido com um cão comunitário de um dos condomínios da região do Vale do Mutuca, em uma sucessão de atos omissivos de socorro e uma consequente morte após grande sofrimento me motivaram a escrever este artigo.
A lei define como animal comunitário aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e manutenção, ainda que não possua responsável único e definido. A lei assegura direitos a todos os animais, sejam eles domésticos, comunitários, animais “de fazenda” ou silvestres. A lei também estabelece penas para quem violar tais direitos. Por que precisamos de leis para regular o que parece moralmente óbvio?!
O fato de existir tantos cães e gatos em situação de rua tem causas certas: o abandono e a irresponsabilidade humana. Políticas de castrações serão insuficientes enquanto a comunidade não entender que eles não são invisíveis e que a responsabilidade é de todos.
Penso que a omissão da sociedade em relação ao sofrimento animal é desveladora da desumanidade e da ausência de nobres qualidades como compaixão e empatia. Afronta até mesmo a razão moral, daquela que se intitula a única espécie racional.
Quem ficaria inerte ao ver uma criança ser atacada ferozmente por quatro outras? Quem vê essa criança gravemente ferida a abandonaria à própria sorte? Espero que ninguém! Por que agiríamos diferentemente diante de gritos (latidos ou miados) que expressassem semelhante dor?
Ombros de poucos
Por ora toda essa empatia tem ficado sobre os ombros de poucos, que em um trabalho de formiguinhas vem tentando minimizar o enorme sofrimento. “Protetores de animais” acabam estigmatizados e inferiorizados como aqueles “animais” aos quais prestam socorro.
A comunidade, sejam condomínios verticais ou horizontais, ruas, bairros, cidades, poder público em todas as esferas, são responsáveis. O descompasso entre o avanço legislativo e a realidade é gigantesco. Os animais em geral são legalmente protegidos contra a crueldade humana e a pena para crimes contra cães e gatos é ainda mais gravosa, com até cinco anos de reclusão em regime fechado, e a lei comina tais penas tanto para ações como para omissões.
Ao se ver cães de rua ou colônias de gatos, é comum as pessoas acharem que existe alguém responsável que irá retirá-los, que existe um lugar para levar e que assim a desconfortável visão de um animal faminto, na maioria das vezes doente, irá desaparecer. Parece um pensamento mágico infantil! NÃO existem tais lugares e até existem tais ONGs e pessoas, os chamados “Protetores de Animais”, gente como a gente, mas que se encontram sobrecarregados emocionalmente e financeiramente por serem incapazes de virar as costas à degradante situação dos animais em situação de rua.
Alguns protetores chegam a adoecer diante do enorme sofrimento que presenciam e sua incapacidade de solucionar a situação. As ONGs de proteção animal não estão em situação diferente, pois tem animais além de sua disponibilidade financeira e de espaço. É comum ver tais ONGs pedindo ração porque não tem sequer a alimentação do dia para os animais sob sua responsabilidade. Receber mais animais em tal situação é insalubre e configura crueldade.
Poder público
O que o poder público faz: o serviço de castração. Mesmo assim, não são todos os municípios que oferecem o serviço e os que oferecem o fazem de forma insuficiente para a demanda. O protocolo legal de castração para os animais em situação de rua é o CED, que significa, Captura, Esterilização e Devolução. SIM, os animais são DEVOLVIDOS à sua comunidade, pois diante da ausência de locais apropriados para recebê-los e sendo na sua comunidade que aprendeu a sobreviver é legalmente vedada outra destinação. Além do que, muitos animais, principalmente gatos, por não terem sido socializados a humanos ou mesmo por sofrer crueldade tornam-se ariscos, não sendo adotáveis.
O PL 4.438/20 estabelece que síndicos e administradores de condomínios residenciais são obrigados a comunicar, à polícia civil e aos órgãos especializados, a suspeita ou a ocorrência de maus-tratos a animais nas unidades condominiais ou nas áreas comuns dos condomínios. A comunicação deverá ser feita em até 24 horas após o conhecimento do fato.
A Lei Nº 23.863 do Estado de Minas Gerais acrescentou o artigo art. 6º-A à Lei nº 21.970, de 15 de janeiro de 2016, que dispõe sobre a proteção, a identificação e o controle populacional de cães e gatos.
“Art. 6º-A É assegurado a qualquer cidadão o direito de fornecer, nos espaços públicos, na forma e na quantidade adequadas ao bem-estar animal, alimento e água aos animais em situação de rua, inclusive aos cães e gatos comunitários.
Parágrafo único. É vedado a particular e a agente do poder público impedir o exercício do direito previsto no caput, sob pena de se configurarem maus-tratos e de se aplicarem as penalidades cabíveis, nos termos do inciso I do caput do art. 1º e do art. 2º da Lei nº 22.231, de 20 de julho de 2016, e do art. 16 da Lei nº 7.772, de 8 de setembro de 1980.”
Portanto, é necessário tirar o manto da invisibilidade da situação de sofrimento e abandono desses animais, desacomodar frente à intimação ética para a boa ação. Muitos ainda enxergam a solução no envenenamento ou na retirada e desova desses animais, agindo como criminosos diante da lei e da moral. Essa questão só será resolvida pela educação que amplia o reconhecimento de que seres com biologia semelhante à nossa podem sofrer como nós, seres que experimentam não só a dor física como a psicoemocional. Cobrem posturas legais de seus condomínios. Alimente e dê água a um animal de rua. Chame a zoonose do seu município para realizar a castração. Se é um animal doente, faça um mutirão para oferecer tratamento veterinário. Façam campanhas de adoção. E denuncie maus tratos, a Justiça Institucionalizada é o último recurso para as consciências cauterizadas. Fazer o certo não é faculdade, é obrigação. Apoiar quem faz é solidariedade.
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