Professor especialista da Fundação Dom Cabral e sócio da Goose – Consultoria & Treinamentos, Haroldo Márcio, enumera desafios que cidadãos e empresas terão pela frente no próximo ano e alerta para cenários de incertezas.
O ano de 2023 se aproxima e com ele cresce a preocupação do mercado financeiro diante dos cenários econômicos para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Selic, que é conhecida como a taxa básica de juros, está atualmente em 13,75% e apresenta tendência de alta. Também causam apreensão a nova política fiscal, que ainda é incerta, e o teto de gastos, já extrapolado por Jair Bolsonaro durante seu mandato e que tem tudo para não ser cumprido na gestão petista.
Isso porque, diante da falta de previsão orçamentária nos próximos exercícios para a manutenção de programas sociais – compromissos assumidos por ambos os candidatos durante a campanha eleitoral –, já se articula no Congresso Nacional a PEC da Transição, proposta que eleva o limite de despesas públicas em R$ 145 bilhões para permitir o pagamento de R$ 600 do Bolsa Família às famílias a partir de janeiro, com adicional de R$ 150 por criança menor de seis anos. O texto da proposta está previsto para valer até 2024.
Para o professor especialista da Fundação Dom Cabral e sócio da Goose – Consultoria & Treinamentos, Haroldo Márcio, a mudança de expectativas entre os empresários se deu em função das eleições. “A gente via uma economia crescendo, além de uma taxa de desemprego se estabilizando e até começando a cair. Existia uma certa perspectiva de vendas para 2023 e a chegada de um novo governo modifica isso”, afirma. “No momento, em que esses cenários se alteram, como mudou principalmente por causa da corrida eleitoral, o mercado fica extremamente avesso a tomadas de riscos. Ele, o mercado, olha para o próximo governo e não sabe exatamente o que vai ser feito, o que cria um contexto muito perigoso”, alerta o especialista.
Para o professor Haroldo Márcio, a tendência é o dinheiro ficar ainda mais caro. “A gente já está vendo uma alta da taxa básica de juros, com inclinação a subir. Com o preço do dinheiro maior, fica oneroso para qualquer empresa fazer investimentos. No momento em que há um aumento da inflação, há elevação do preço dos insumos, resultando em um cenário ruim para investimentos”, explica. Entre janeiro de 2021 e agosto de 2022, a taxa básica de juros passou de 2% para 13,75% ao ano – a maior dos últimos tempos. Diante desse patamar, já que se mantém há quatro meses, o Brasil lidera o ranking mundial de juros reais de dezembro, de acordo com estudo feito pela Infinity Asset Management, que considera esse indicador em 156 países.
Pé no freio
Assim, quem estava disposto a consumir pode resolver investir: “Como o dinheiro vai render muito no banco, entende-se que é mais vantagem deixá-lo parado se for ganhar 15% ou 16% ao ano. Nisso, há menos gente disposta a consumir nos próximos meses”, afirma. “Em todos os painéis dos quais tenho participado, vejo essa mesma preocupação. A tendência de colocar o pé no freio tem sido unanimidade entre os empresários”, completa Haroldo Márcio.
A classe empresarial está em dúvidas sobre o que é melhor fazer. Soma-se a isso a confirmação do futuro ministro da Fazenda. O cargo será ocupado por Fernando Haddad, formado em direito com mestrado em economia e doutorado em filosofia. Embora acumule experiências como ministro da Educação e prefeito de São Paulo, ele tem seu nome visto com ressalvas por grande parte dos empresários devido à tendência de expansão dos gastos públicos, que acarretaria em um período maior de juros altos no país.
Recordes de inadimplência
Outro motivo de preocupação para os empresários e as autoridades é a inadimplência, que tem batido recordes históricos no Brasil. Em outras palavras, os consumidores estão cada vez mais endividados, o que gera outro pânico para o mercado. “Nesse momento, o empresariado vê o quanto está caro captar dinheiro, além do risco de vender e não receber aumenta. Preocupação parecida têm os bancos, que começam a restringir o crédito diante do perigo real de não receber. Com menor oferta de crédito, a produção recua, o desemprego aumenta e aí se cria um círculo preocupante. Esse é um cenário propício para uma crise”, avalia o especialista.
As projeções de inadimplência para os próximos anos apontam para um contexto desafiador, conforme projeções de longo prazo feitas pelo Bradesco. No trabalho do banco, que apresenta um quadro síntese com os principais indicadores da economia até 2026, a perspectiva de inadimplência de pessoa física é de 5,5% em 2022, com tendência a se repetir nos próximos quatro anos. No caso de pessoa jurídica, esse índice, que é de 2,3%, ficará em 2% durante esse mesmo período. Os números são superiores aos dos anos passados. O estudo aponta ainda que, caso os ajustes necessários para a economia não se confirmem, pode haver grande alteração nas projeções dos cenários.
Na visão do professor, as empresas devem aproveitar o momento para repensar seu orçamento. “Por isso, é hora de analisar com cuidado o mercado, avaliar bem a demanda por seus produtos e dimensionar a dívida já contraída. Imaginar em qual cenário irá trabalhar no próximo ano, o tipo de venda que deve conseguir fazer, qual o produto que vai conseguir colocar no mercado são questões que precisam ser observadas com atenção neste momento”, orienta.
Crescimento baixo e alta do dólar
O mesmo relatório do Bradesco aponta que o único cenário promissor é o do agronegócio, cuja previsão de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) é de 3,08% em 2023 e 2,95% nos três anos seguintes. Já os números referentes ao setor industrial e à área de prestação de serviços contam com previsões bem modestas se comparadas aos últimos períodos.
O valor do dólar também é outro motivo de preocupação, já que se encontra elevado, o que torna o processo de produção oneroso, e ainda tem expectativa de alta. Quanto mais cara a moeda estrangeira fica, maior é o valor para importar, o que resulta em aumento dos preços de diversos produtos. Outro ponto a ser observado é o fato de o Brasil ser um país exportador. “No momento em que o dólar está alto, haverá exportação de commodities. E quando o foco está no mercado externo, porque se ganha mais, faltam produtos no mercado interno, provocando aumento dos preços. Então a inflação dispara. Diante de tudo isso, podemos perceber que os cenários são todos preocupantes para o próximo ano”, finaliza Haroldo Márcio.
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