Eu, salvadora do Planeta

Tenho uma enorme frustração na vida: não consegui salvar o Planeta. Por mais utópico que pareça, em algum momento da vida, entre a ingenuidade, o delírio e a presunção, eu realmente acreditei que conseguiria. E olha que já era adulta, não se tratava de fantasia infantil. Claro que não seria fácil. Para começar, eu me embrenharia na Floresta Amazônica e, postada na frente das motosserras, impediria seu desmatamento com minha coragem e exemplo. Acreditava que, predestinadamente, eu emanava uma aura de iluminação tão potente que não só impediria o avanço dos tratores, mas irradiaria um tal poder em torno de mim de modo que os desmatadores, quando atingidos por minhas ondas milagrosas, imediatamente largariam suas ferramentas de corte e iniciariam uma cruzada de redenção. O mundo seria contagiado com um tsunami de amor e responsabilidade pela vida e pela natureza. Ações de reflorestamento, agroecologia, saneamento básico, energias renováveis, segurança hídrica, cooperação econômica, justiça social, enfim todo tipo de ato que proporcionasse benefícios, resiliência e bem-estar aos ecossistemas, inclusive humanos, pipocaram espontaneamente ao redor do globo, como erupções do bem, se propagando mais rápido do que vírus. Sim, eu seria a faísca que daria início a um ciclo de sucessivas virtudes que magicamente se alastrava por todo o mundo, resultando na salvação do planeta.

Bem, não consigo precisar exatamente quando foi que deixei de acreditar nisso. O fato é que nunca aconteceu. Tive crises existenciais. Várias. Não conseguia pensar em como dar o primeiro passo. Iria para a Amazônia de avião, de ônibus ou carro? O que levaria na mochila, além de repelente, protetor solar e chapéu? Qual seria meu primeiro destino designado? Quem regaria minhas plantas enquanto estivesse em minha missão? Me pareciam detalhes práticos demais a serem resolvidos para quem estava predestinada a salvar o mundo. Sem saber como começar, não comecei.

Para não me sentir tão inapta, comecei a me convencer de que minhas humildes contribuições ecológicas, se somadas à de todos, poderiam fazer diferença. Me dedicava com afinco à separação do lixo. Participava da associação de meio ambiente do bairro. Troquei o carro por uma moto bem econômica, diminuindo o consumo de combustível. Na medida do possível, dava preferência a alimentos orgânicos. Diminui o consumo de carne bovina. De heroína, passei a coadjuvante da história. Até que não foi tão traumático assim. Fazia a conta matemática: sou apenas uma em 8 bilhões. A missão era realmente complicada.

Mas lá no fundo, ainda de vez em quando sinto umas pontadas. Sinto que estou só me ludibriando, querendo aliviar essa que será minha eterna frustração: a de não ter cumprido minha evidente missão nessa vida que era salvar o planeta.

E por vezes deliro ainda mais: não seria essa a missão de todos nós?

Gisele Kimura / Membro do conselho deliberativo da Promutuca./ www.promutuca.com.br • adm.promutuca@gmail.com

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