Especialista explica importância do processo para formação da cultura de integridade institucional, conquista de resultados positivos e superação de momentos de crise.
Geralmente associada de maneira equivocada a grandes estruturas e processos morosos e engessados, a governança corporativa – que é o sistema no qual as companhias são dirigidas, monitoradas e incentivadas – pode e deve ser aplicada em todo tipo de empresa, independentemente do seu porte. Se bem implantada, ela é capaz de fortalecer estratégias empresariais, desenvolver competências específicas para superar momentos complexos e promover alinhamento de interesse entre todos os agentes de uma instituição, o que reflete em resultados positivos e superação de eventuais crises.
Para o professor especialista da Fundação Dom Cabral e sócio da Goose – Consultoria & Treinamentos, Haroldo Márcio, o pontapé inicial para implantação da governança é o alinhamento dos objetivos estratégicos da companhia entre os diretores.
“Se não há um direcionamento macro, a empresa se mantém focada em rotinas, apagar ‘incêndios’ e corrigir problemas. Poucos colaboradores estão pensando em como evitá-los e, até mesmo, como gerar valor de longo prazo. Daí a importância desse posicionamento”, explica.
Algumas questões podem auxiliar no processo de implantação da governança, tais como quais os propósitos do negócio, o posicionamento estratégico, a missão, a visão e os valores praticados. Ela contribui para o direcionamento das organizações, por meio de quatro pilares.
O primeiro é a redução da participação individual de um diretor ou conselheiro, já que as tomadas de decisões passam a ser colegiadas. O segundo é a diminuição do seu poder de influência, pois a posição na organização corresponde, tão somente, a um voto. Já o terceiro é a melhoria da qualidade do processo de tomada de decisões, que tende a ser mais assertiva a partir do debate de ideias, com diferentes pontos de vista e abordagens. Por fim, o quarto pilar é a definição de prioridades, que deve levar em consideração as ações estratégicas por ordem de relevância. Reunidos, esses quatro pilares definem a melhor alocação de recursos, que sempre são escassos em empresas que enfrentam crises ou processos de recuperação.
Direcionamento estratégico
Normalmente, as equipes estão engajadas em fazer o melhor dentro das empresas, mas o que se percebe, muitas vezes, é cada um atuando dentro daquilo que julga ser correto. Por isso, a visão macro é fundamental. Só assim se tem a certeza de quais problemas devem ser resolvidos prioritariamente e como a solução vai gerar valor para a empresa. No entanto, esse alinhamento precisa ser definido e repassado pela alta gestão.
“Se a diretoria, conselho, presidência ou acionistas não tiverem claro o que desejam, o time se perde no momento em que todos, envolvidos por boas intenções, adotam orientações intuitivas para a tomada de decisão”, ressalta Haroldo.
Um dos conceitos clássicos em ambiente de governança é que ‘o tom vem do topo’. Na opinião do especialista, é necessário lembrar sempre da máxima que diz que ‘a palavra convence, e o exemplo arrasta. “Se o direcionamento estratégico da companhia está voltado para redução de custos, contingenciamento de despesas e foco no aumento de resultados, não há espaço, por exemplo, para viagens de primeira classe, excesso de despesas reembolsáveis e tratamentos diferentes entre os agentes de uma corporação. Isso pode colocar em cheque todo o direcionamento estratégico que consta no plano de negócios”, avalia.
Da mesma forma, se a orientação estratégica da companhia é a inovação de produtos e serviços, ela deve vir acompanhada de tolerância a erros e tempo de maturação, ou seja, não pode haver punições e imediatismos por parte da alta direção.
Cultura de integridade organizacional
Definidos os objetivos macros, passam a ser estabelecidos processos, autonomias e responsabilidades. Nesse sentido, há que se ter de forma bem clara e de conhecimento de todos quais as consequências em não agir em conformidade com o direcionamento apresentado. A ausência dessa política, sobretudo para a alta gestão, gera desconfiança na equipe.
Pesquisa recente realizada pela consultoria LRN com diretores de compliance de grandes empresas dos Estados Unidos e da Europa mostrou que a maioria dos entrevistados consideram que seu conselho de administração não tem uma compreensão adequada desses programas, que são vistos muito mais como uma formalidade que precisa ser preenchida do que uma fonte potencial de vantagem competitiva e geração de valor para a empresa.
“A título de comparação, se olharmos para o Brasil, notamos a mesma tendência, já que os altos comandos, habitualmente, não dedicam tempo suficiente nem dão a prioridade necessária para essas questões, sem falar que ainda têm uma visão curta e utilitária desses programas e suas ferramentas”, reforça Haroldo. Esses sinais são rapidamente captados e internalizados pela gerência e pelo restante da organização.
Ainda para o professor especialista da Fundação Dom Cabral, o conselho e a diretoria devem adotar, dentre outros fatores, uma abordagem prática para promover uma cultura de integridade dentro da organização. “A gente sabe que os colaboradores que sentem que sua chefia age com integridade e relaciona claramente as decisões que toma com os valores organizacionais têm mais chances de comunicar suas preocupações e dúvidas, alertar sobre possíveis problemas de compliance e agir de forma ética em geral”, destaca.
Uma visão que tem ficado cada vez mais no passado, quando a discussão passa pelos ambientes de governança, é o foco excessivo em retorno do acionista, já que antes se pensava que as decisões dos administradores devessem visar exclusivamente tais interesses, ao contrário do que os especialistas entendem atualmente.
“As boas práticas de governança preconizam que é preciso sempre considerar todos os agentes no momento da tomada de decisão, tanto acionistas e funcionários quanto clientes, fornecedores e outras partes interessadas. Uma empresa existe para gerar retorno financeiro, mas é necessário pensar em todo o ecossistema quando se for criar um direcionamento estratégico, pois é essa cultura de integridade organizacional que vai ditar a longevidade do mercado e da companhia”, encerra Haroldo Márcio.
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