Hoje em dia não é necessário conhecimentos científicos para o homem comum atestar a degradação ambiental e suas consequências: eventos climáticos extremos, extinção de espécies, incêndios devastadores, deterioração da qualidade de vida nas áreas urbanas, entre outras.
Buscar o conceito clássico Aristotélico de Prudência (Phronesis) e os modernos conceitos basilares do Direito Ambiental da Prevenção e da Precaução podem orientar nossas ações no momento atual, extremamente delicado, e de necessária e paradigmática mudança. O risco ambiental implica em risco para toda a vida do planeta (inclusive a humana), se não para nós, certamente para nossa descendência.
Para que um risco ambiental possa ser atribuído a uma decisão, é necessária a existência de alternativas claramente distinguíveis entre si com relação à chance de prejuízos. De tal forma que no momento em que ocorre o prejuízo temido, essa perda possa ser relacionada à escolha de uma alternativa. Diante do risco, o Direito Ambiental se vale dos Princípios da Prevenção e da Precaução. A Prevenção se orienta pela previsibilidade do dano, tendo em vista os maiores conhecimentos acerca da ocorrência da lesão ambiental. O risco é previsível e seus efeitos sabidamente ruinosos. Já a Precaução no Direito ambiental é aplicar medidas em razão da incerteza e da probabilidade de ocorrência do dano ambiental, evitando-se o próprio risco ainda imprevisto.
Sua expressão mais precisa está no Princípio 15 da Declaração do Rio:
“Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas efetivas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
Tenho escrito ao longo do tempo sobre a relação dos princípios ambientais acima citados e o conceito da Prudência em Aristóteles. A Prudência (phronesis) é uma virtude prática. Virtude designa, em geral, qualquer forma de excelência, de perfeição. Designa, também, algo que não é inato, mas adquirido através do processo de habituação, requerendo, para isso, um certo tempo. Designa, ainda, um traço de caráter [comportamento] duradouro revelado nas ações habituais, levando a pessoa a agir de modo desejável. Nota-se, em resumo, que “a virtude é resultado mais da ação do que do saber”.
A virtude floresce quando as situações são dadas. É o caso das virtudes morais. São as situações que fornecem ao homem a ocasião de ser virtuoso – ser corajoso, justo, liberal, etc. Sua função consiste em julgar e apreciar as situações e em seu significado mais amplo é basicamente tomar a decisão certa no momento oportuno.
A prudência é a habilidade do virtuoso na realização do bem. Aristóteles afirma que a ação do prudente só é possível diante de um mundo mutável, contingente. O risco do acaso é elemento da contingência, portanto, da ação virtuosa. Se em Aristóteles a contingência é a fonte do mal, ela torna possíveis as iniciativas humanas em vista do bem; a indeterminação, signo da finitude e limitação da vida e da racionalidade humana, é ao mesmo tempo abertura à ação virtuosa do homem. Conforme Pierre Aubenque, esse horizonte é assim nomeado por Aristóteles: “A prudência se move no domínio da contingência”. (2003).
O tempo oportuno (Kairós) se apresenta como o segundo elemento constitutivo de uma “cosmologia da prudência”. Ser virtuoso significa, como visto anteriormente, agir como, onde, com quem e, por fim, quando é preciso. Com isso, Aristóteles introduz a dimensão da temporalidade no domínio moral. Para designar esta coincidência da ação humana com o tempo, fazendo com que este seja propício e aquela boa, os gregos possuem o termo Kairós, isto é, o tempo oportuno, a ocasião favorável. As situações éticas são sempre singulares: o da ação humanamente possível diante da situação da vida real.
Desse contexto emerge, então, o significado de proairesis como escolha deliberada. A deliberação alcança propriamente a qual escolha? A “escolha tem por objeto os meios”. Ao se escolher os meios, não se escolhe os fins. Apesar de serem pressupostos e referências da escolha, os fins não contribuem para a sua constituição. Como afirma Aristóteles, “ninguém escolhe estar saudável, mas caminhar ou repousar em vista da saúde; ninguém escolhe ser feliz, mas fazer negócios ou correr perigos tendo em vista a felicidade” (EE II 10 1226a 5-15).
O terceiro e último elemento antropológico da prudência é o juízo. Ao homem de bom julgamento, no saber ético, o fim é inseparável da ação, quer dizer, o fim que o agente moral visa, somente pode se realizar através de seu próprio agir – a saúde (fim) só se efetiva mediante atos saudáveis ou do ser saudável, por exemplo. A capacidade de deliberar sobre os meios mais eficazes para se alcançar um fim bom.
A concepção “sociedade de risco”, de Beck (1992), amplia a compreensão de um cenário marcado por nova lógica de distribuição dos riscos. Inicia-se uma mudança de escala na análise dos problemas ambientais, tornados mais frequentes, os quais, por sua própria natureza, tornam-se mais difíceis de serem previstos e assimilados como parte da realidade global. Trata-se de um segundo momento da sociedade industrial, que deixa a previsibilidade dos fatos para passar a ser caracterizado essencialmente pelos riscos produzidos e pela incerteza.
A ideia de sustentabilidade é vital para a ideologia ambientalista e tem uma relação estreita com o tempo, pela sua projeção no futuro (tendo em conta as necessidades atuais e as futuras). O Kairós (o Tempo) mal dirigido pode significar o instante fatal em que o destino se direciona para a infelicidade. Decisões atemporais em termos ambientais têm consequências desastrosas e irreversíveis. Fazer o bem no tempo significa fazer o bem a tempo. (AUBENQUE, 2003).
É forçoso admitir que não temos sido suficientemente prudentes ou precavidos ambientalmente. Nossas ações em conjunto, singular e coletivamente, tem sido a de mitigar danos. Até quando conseguiremos? A mudança que se impõe traz em si sacrifícios, abstenções e mudança de mentes.
Não somos os herdeiros de nossos pais, mas os devedores de nossas crianças. Para haver justiça, a riqueza que herdamos das gerações precedentes não deve ser dissipada para a nossa própria conveniência e prazer, mas passada adiante, na medida do possível para aqueles que nos sucederão. Certamente, não há nenhuma justificativa moral em privar o outro de receber o que recebemos sem nenhum esforço de nossa parte. A expressão “equidade intergeracional” foi utilizada para representar esse conceito. Há agora, também, um dever para com aqueles que ainda não existem.
E não existe Prudência sem a pessoa do Prudente. Sejamos!
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