Qualidade comprovada

Se imagine em uma floresta ou num campo. O cheiro, as cores, os sons. Passarinhos cantando, abelhas visitando as flores, o barulho da água corrente, libélulas sobrevoando a superfície de um laguinho… Este cenário perfeito esconde muito mais que um doce momento para relaxar e admirar a natureza.

Os animais citados acima não estão presentes ali para adornar o ambiente. Cada um está cumprindo uma missão. Os pássaros podem estar vocalizando para atrair a atenção de parceiras, com as quais irão constituir suas famílias. Em busca de néctar, as abelhas polinizam as flores, garantindo, desta forma, a perpetuação das espécies vegetais. E as libélulas possivelmente estão completando mais uma etapa do seu ciclo reprodutivo, ao depositarem os ovos na água. Neste processo, entretanto, elas não apenas garantem a existência de uma nova geração, mas também fornecem dados preciosos sobre a condição daquele local. Com parte do seu ciclo de vida ocorrendo em meio aquático, estes insetos dependem de águas limpas e livres de contaminação para sobreviver, o que os torna eficientes indicadores da qualidade deste elemento em rios, lagos e igarapés. Se a presença das libélulas revela um ambiente saudável, sua ausência pode evidenciar que algo não vai bem.

Na natureza, outros grupos de animais apresentam condição similar. Os chamados indicadores biológicos ou bioindicadores são espécies ou comunidades cuja presença, abundância ou respostas do organismo às condições do meio em que vivem, proporcionam informações sobre a qualidade deste ambiente. Alguns tipos de aves, mamíferos e répteis são considerados bons indicadores biológicos. Merecem menção especial os vulneráveis anfíbios (sapos, rãs e pererecas). Dotados de respiração cutânea (através da pele), eles são extremamente sensíveis às alterações ambientais e quase sempre são os primeiros a denunciar o estado de saúde da água ou do ar. Não são raras as notícias sobre a morte, às vezes em massa, de indivíduos, quando do contato com substâncias tóxicas e poluentes.

A bioindicação não se limita a comprovar a qualidade dos corpos d’água, do ar ou do solo. Felinos silvestres, como onças e jaguatiricas, são predadores que estão no topo da cadeia alimentar e sua ocorrência no ecossistema é um indício de conservação, visto que pressupõe a presença de um ambiente adequado para sua sobrevivência, com área suficientemente ampla e presas das quais se alimentam.

A abundância de aves de certas famílias, como os cracídeos (mutuns, jacus) e tinamídeos (nhambus) , por exemplo, pode fornecer elementos sobre a pressão de caça em um determinado local. Animais de porte grande, eles são tradicionalmente caçados há gerações e vêm perdendo seus habitats rapidamente em função da intervenção humana. Assim, a presença de grande quantidade de indivíduos em uma área sugere a ausência ou baixa intensidade da atividade de caça naquela região.

A natureza é sublime e todos os dias nos oferece a oportunidade de aprender com seus acontecimentos fantásticos. Agora que você já sabe um pouco mais sobre a importância destes fascinantes “agentes de controle de qualidade”, volte para o cenário do início do texto e certamente o verá de forma diferente.

Agradecimentos: Humberto Mello, Gerente do Jardim Zoológico da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte e Roberto Azeredo, Presidente da CRAX – Sociedade de Pesquisa da Fauna Silvestre.

Raquel Schettino Werneck / Bióloga e Diretora de Educação Ambiental da Promutuca / www.promutuca.com.br • adm.promutuca@gmail.com

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